A que nunca amei e me ama pensa em mim à noite antes de dormir, e nos escombros do sono vê o meu rosto suave, arrogante, de há muitos anos e sente uma mão fria empunhar-lhe o coração. É bela a que nunca amei e me ama, cada vez mais bela com seus cabelos soltos ao sopro da memória, com uma voz onde sonham luas que jamais iluminaram um caminho que me levasse à que nunca amei e me ama. É doce essa mulher que acorda e diz o meu nome com unção. Seus olhos me fitam do longínquo e doem em mim como dói nessa mulher que me ama amar quem nunca a amou, disperso em seus enganos. A que nunca amei e me ama acaricia a minha ausência com pena de mim, que teria sido feliz, bem sabe, se a tivesse amado; a ela, que me ama e nunca amei e nunca hei de amar, como até hoje, amargamente. Ruy Espinheira Filho