Mundo, se te conhecemos, porque tanto desejamos teus enganos? E, se assim te queremos, muito sem causa nos queixamos de teus danos. Tu não enganas ninguém, pois a quem te desejar vemos que danas; se te querem qual te vem, se se querem enganar, ninguém enganas. Vejam-se os bens que tiveram os que mais em alcançar-te se esmeraram; que uns, vivendo, não viveram, e os outros, só com deixar-te, descansaram. E se esta tão clara fé te aclara teus enganos, desengana ; sobejamente mal vê quem, com tantos desenganos, se engana. Mas como tu sempre morres no engano em que andamos e que vemos, não cremos o que tu podes, senão o que desejamos e queremos. Nada te pode estimar quem bem quiser estimar-te e conhecer-te; que em te perder ou ganhar, o mais seguro ganhar-te é perder-te. E quem em ti determina descanso poder achar, saiba que erra; que sendo a alma divina, não a pode descansar nada da terra. Nascemos para morrer, morremos para ter vida, em ti morrendo. O mais certo é merecer nós a vida conhecida, cá vivendo. Enfim, mundo, és estalagem em que pousam nossas vidas de corrida; de ti levam de passagem ser bem ou mal recebidas na outra vida. Luís Vaz de Camões