Só no pensamento volta o mundo. Ao ruído da voz apenas aspiro — que a alma é o ser mais que a dor ou o verde cinza do halo das árvores na manhã íntima das cores diurnas. Temi os deuses pelo coração dos homens, ao homem temo que por metade vive o medo divino. Resta, no espasmo da terra, a mágoa seca, a ruína da água, a traição do nada neste corpo de cera, coroado do silêncio ferido. Se não de amor é o dia aberto quando as vísceras róseas ouvem a respiração do fogo derramado eros. Que a estreita vida diz na tão pouco breve humilde erva a tão febril brisa, cio de matinal búzio ou rouca flauta. Então me ergo e ouso, vaso do vento, clamar a queda. Ó esta humana e divina pobreza de querer sem fulgor, de tudo poder sem desejo, alheio ou meu! O que do futuro ignoro é maior que o tempo que vivo, é palavra de cega língua, em mim calada por jamais lida. A vida é a voz, a que tece e resgata, a que rende e cerca — ardil da névoa, objecto oco da memória. Orlando Neves