Sentar à máquina de escrever. Folhear um romance policial. No fim ficar sabendo o que você já sabe: o secretário de cara limpa, com barba rija, é o assassino do senador e o amor do jovem sargento da comissão de inquérito pela filha do almirante é correspondido. Mas você não vai pular nenhuma página. De vez em quando, ao folhear, uma olhada rápida para a folha em branco na máquina de escrever. Seremos poupados disso, então. Bem, isso já é alguma coisa. Saiu no jornal: num vilarejo qualquer, as bombas não deixaram pedra sobre pedra. Lamentável, mas o que você tem com isso. O sargento está para impedir o segundo assassinato embora a filha do almirante esteja (pela primeira vez!) oferecendo a ele os lábios, serviço é serviço. Você fica sem saber quantos mortos, o jornal sumiu. Ao lado, sua mulher sonha com o primeiro amor. Ontem ela tentou se enforcar. Amanhã vai cortar os pulsos ou sabe-se-lá-o-quê. Pelo menos ela tem um objetivo em vista. Que ela ainda há de atingir, de um jeito ou de outro, e o coração é um vasto cemitério. A história da Fátima no Neues Deutschland era tão mal escrita que fez você rir. A tortura é mais fácil de aprender que a descrição da tortura. O assassino caiu na armadilha O sargento encerra o prémio nos braços. Agora você pode dormir. Amanhã é outro dia. Heiner Müller, trad. Rodrigo Garcia Lopes