Gostava dessa espécie de beleza que podemos surpreender a cada passo, desvelada pelo acaso numa esquina de arrabalde; a beleza de uma casa devoluta que foi toda a infância de alguém, com visitas ao domingo e tardes no quintal depois da escola; a beleza crepuscular de alguns rostos num retrato de família a preto e branco, ou a de certos hotéis que conheceram há muito os seus dias de fulgor e foram perdendo as estrelas; a beleza condenada que nos toma de repente, como um verso ou o desejo, como um copo que se parte e dispersa no soalho a frágil luz de um instante. Gostava de tudo isso que o deixava muito a sós consigo mesmo, essa espécie de beleza arruinada onde a vida encontra o espelho mais fiel. Rui Pires Cabral