Acorda. A cama está mais fria e os lençóis sujos sobre o chão. Olha que pelos vidros da varanda chega o amanhecer, com sua cor de agasalho de outono e liga de mulher. Acorda, pensando vagamente que o porteiro da noite vos chamou. E escuta no silêncio: sucedendo-se no ar, ao longe, ouvem-se enrouquecer os eléctricos que levam ao trabalho, É o amanhecer. As flores ir-se-ão amontoando cortadas já, pelas tendas das Ramblas, e gorgearão os pássaros - cabrões - sobre os plátanos, quando já podem ver a negra humanidade que se deita depois do amanhecer. Lembra-te do quarto em que dormiste. Enterra a cabeça na almofada, sentindo ainda a irritação e o frio que dá o amanhecer junto ao corpo que nos agradava tanto e estamos a esquecer, e pensa que devias levantar-te. Pensa na tua casa ainda às escuras onde entrarás para mudar de fato, e no escritório, com o sono p'ra vencer, e em muitas outras coisas anunciadas desde o amanhecer. Embora a teu lado escutes o sussurro de outra respiração. Embora tu procures o pouco de calor entre suas coxas, meio dormente, que começa a estremecer. Embora o amor não deixe de ser doce feito ao amanhecer. Junto ao corpo que à noite me agradava assim tão nu, deixa-me acender a luz para nos beijarmos face a face, no amanhecer. Pois eu conheço o dia que me espera, e não pelo prazer. Jaime Gil de Biedma, trad. José Bento