Canção do exilado
Se eu voltar a lamber as botas do passado,
se eu voltar a chorar a memória da memória:
que me seque a mão direita!
Quando o teu calor vier
pelo vento tardio deste verão tão puro
e corromper o meu tato;
e o roçar da tua nuca me fizer tremer,
se eu assobiar a tua mínima canção,
se eu procurar a tua boca
e o ruído das tuas ruas estrangular o meu coração:
que me cole a língua ao paladar!
Ó devastadora filha de Babel,
feliz quem devolver a ti
o mal que me fizeste!
Não pedirei mais
perdão às virtudes do passado.
Repetirei, em desassombro
— se eu me lembrar de ti, Jerusalém —,
com os que diziam:
“Arrasai-a!
Arrasai-a até os alicerces!”
José Almino
Publicado em 4 de Dezembro de 2011