A chave do campo está na mão das mulheres que o lavraram, desfazendo os nós do inverno com a exactidão da pá. Vi estas mulheres no grande caminho da História, perdendo as suas vidas em cada nova colheita. O sol tisnou a sua pele; o frio enrugou os seus rostos. À noite, quando o vento batia nas janelas de madeira, os seus olhos atravessavam a treva e perdiam-se em destinos que não conheciam, como se tivessem outra saída. Ouvi as suas queixas no murmúrio das árvores que as abrigaram; e vi os seus corpos deitados nas igrejas, sem ninguém que os velasse, a caminho da vala comum. Amei-as, sem que o soubessem; e ouço o ruído das pás na terra, quando os seus rostos me atravessam a memória, e o inverno cai sobre a lama dos campos. Nuno Júdice