Podia falar na vertigem das manhãs No ocre e cinzento da paisagem nos olhos Podia falar de todas as ilhas perdidas Podia falar do não voltar e de alguns desgostos por trás Preparando outros maiores Ou talvez não Podia falar das agulhas que espetam no dia As veias vermelhas e cansadas Podia falar das ligaduras com que vou cozendo Tempos de desconcerto Arrefecimentos de Agosto Podia falar dos pés p’ra cima E das bengalas obedientes Que suportam apenas um corpo Podia falar das almofadas e lençóis Nem sei se de linho Em linha com os dias Podia falar da vontade de dormir Um sono mais justo De um acordar mais esperto Do desagradável espanto dos noticiários Que não vejo Podia falar e falo De um equilíbrio outro Convocado nas andas de estar aqui Parado Mas não. O que penso agora, profunda e sentidamente Com a inerente saudade do facto consumado É naquela carreira para a infância Traçada em campos de bola algures Com balizas feitas das pedras que encontrava Ou de mochilas da escola Essa carreira não passa por aqui Mudei-lhe o trajecto num pontapé sem sorte Não queria Não quero Não pode ser assim tão claro E disso falarei Um dia. Rui A.