Eu não sei
Eu não sei se Fernando Pessoa realmente existiu
(admitindo que saibamos o que existir quer dizer)
mas eu acho que ele existe à medida
que cada um de nós acha que ele existe.
E que neste sentido ele é único.
Não no sentido em que cada um de nós é único
– ou pensa ser –
mas no sentido em que Fernando Pessoa é único
isto é, como um gerânio
no meio de outros gerânios,
isto é, como todo mundo.
O que o torna tão diferente de muitos dos outros poetas
é a sua indiferença a todas as coisas,
dentre elas, a poesia e a indiferença.
Sua indiferença não é uma pose, nem uma atitude.
Ela é a expressão de uma inteligência viva.
Para Fernando Pessoa, ser inteligente é duvidar de todas as coisas,
dentre elas, da inteligência e da dúvida,
é tentar se desfazer daquilo que aprendemos.
Fernando Pessoa maneja sua inteligência
como o contrabandista de Valery Larbaud usa
seu pequeno espelho de bolso
para assegurar que os funcionários da alfândega não estão na sua cola.
Eu acho que ele tinha um olhar de mosca.
E que seus olhos de mosca lhe permitiam ver tudo
ao mesmo tempo, uma coisa e seu contrário,
mais alguma coisa que não é exatamente seu contrário
e que é, no fim das contas, a mesma coisa.
Admitindo que Fernando Pessoa tenha algum dia existido
(e que tenhamos chegado a um acordo sobre o que existir quer dizer)
eu acho que ele era do tipo que podemos chamar solitário,
e que ser solitário como eu imagino que ele tenha sido
é estar presente ao mesmo tempo em todos os lugares e em lugar nenhum
é ser ao mesmo tempo todo mundo e ninguém.
Ser Fernando Pessoa é ser tudo, para ele somente.
E alguma coisa que tem a ver com o sono.
Emmanuel Hocquard, trad. Marília Garcia
Publicado em 22 de Setembro de 2012