Palavras que não há
Devia haver palavras sagradas com que povoar a alma
Não sei se língua se linguagem
Seguramente um vento um porto cheio de casa
Devia haver sentidos caminhos livres
Devia haver paz devia haver tempo
Devia haver silêncio,
o respirar da música em qualquer vento
e aí nosso nome, ainda que não mastro
ainda que não rádio e muito menos
capital ou capitão
Nome vasto vasto vasto
como vastos são
Gatafunhos de menino
Mil quedas do mesmo galho
Conversas com aves
Esperas do carteiro certeiro e mais que competente
Ansiedades das mais certas, que sempre passava,
e a tal carta um dia
Palavras joelhos, jóias e jornas ao pescoço
das belas resineiras
Palavras de infinito no tempo de estar
por cá
Palavras que não devessem nada a ninguém
Encontro no mais fundo de cada
Almas povoadas
de mar e transparência
brisamarinhemterra
algurespassa um marinheiro
Devia haver perguntas a iluminar respostas
Dessas tão comuns, em qualquer clima, esse rei
E também das outras, não menos nevoentas e nobres, já agora
ou um pouco depois,
antes da deita
A vida é assim mesmo,
pelo menos às vezes,
começar certinho e bem devagarinho
não esquecer lavar os dentes
ser simpático com os clientes
que mereçam
despachar os chatos,
ou viver com eles
Logo se verá o caminho e,
com sorte ou mais que sorte,
o caminhante.
Tarde ou cedo virá o sono
Mas, na minha absoluta ignorância das coisas,
acho mesmo que,
pelo menos por vezes
enfim devia haver,
finalmente e num qualquer sempre,
palavras que não há
Rui A.
Publicado em 2 de Setembro de 2012