Arranco-me as visões e os olhos a cada dia que passa. Não quero – não posso! – ver morrerem os homens a cada dia. Prefiro ser pedra, ser treva, a suportar o asco de abrandar-me por dentro e sorrir a torto e a direito para prosperar em meu negócio. Não tenho outro negócio senão estar aqui dizendo a verdade no meio da rua e a todos os ventos: a verdade de estar vivo, unicamente vivo, com o pés na terra e o esqueleto livre neste mundo. O que queremos disso de saltar de até o sol com nossas máquinas à velocidade do pensamento. Demônios! O que queremos com o voar além do infinito se continuamos morrendo sem esperança alguma de viver fora do tempo das trevas? Deus não me serve. Ninguém me serve para nada. Porém respiro. E como. E até durmo pensando que faltam uns dez ou vinte anos para ir-me de bruços, como todos, a dormir sob dois metros de cimento. Não choro – não mesmo! Tudo há de ser como deve ser, porém, não posso ver caixões e mais caixões passarem, passarem, passarem, a cada minuto cheios de algo, recheados de algo, não posso ver ainda quente o sangue nos caixões. Toco esta rosa, beijo as pétalas, adoro a vida, não me canso de amar as mulheres – alimento-me de gerar o mundo nelas. Porém, tudo é inútil! Pois eu mesmo sou uma cabeça inútil pronta para ser cortada por não entender o que é isso de esperar outro mundo deste mundo. Falam-me do Deus ou da História. Rio-me de irem buscar tão longe a explicação da fome que me devora, a fome de viver como o sol na graça do ar, eternamente. Gonzalo Rojas, trad. Fabiano Calixto