No princípio era o Verbo (e os açúcares e os aminoácidos). Depois foi o que se sabe. Agora estou debruçado da varanda de um 3° andar e todo o Passado vem exactamente desaguar neste preciso tempo, neste preciso lugar, no meu preciso modo e no meu preciso estado! Todavia em vez de metafísica ou de biologia dá-me para a mais inespecífica forma de melancolia: poesia nem por isso lírica nem por isso provavelmente poesia. Pois que faria eu com tanto Passado senão passar-lhe ao lado, deitando-lhe o enviesado olhar da ironia? Por onde vens, Passado, pelo vivido ou pelo sonhado? Que parte de ti me pertence, a que se lembra ou a que esquece? Lá em baixo, na rua, passa para sempre gente indefinidamente presente, entrando na minha vida por uma porta de saída que dá já para a memória. Também eu (isto) não tenho história senão a de uma ausência entre indiferença e indiferença. Manuel António Pina