O fim do tempo
Escrevo cada palavra como se fosse um oráculo
uma profecia para o Livro dos Mortos
ou para um capítulo da Bíblia
que não fale de assassinatos e idolatria
de alguma forma o Labirinto também é
um livro cuja entrada é a mesma saída
e decifrar seu segredo é ficar vivendo ali
como se se tratasse do corpo do amado
antes de matá-lo com o fio de um olhar
e não se arrepender
Ler Homero agora por exemplo
é assistir a um filme que nunca se acaba
cidades que viraram pó e cinzas
amores e suas copulações criminosas
medo e dor pois
todo mito é um lugar comum hoje em dia
e os lugares comuns são uma maneira de falar
sobre a morte sem mencioná-la
por isso todo cemitério é um livro e um labirinto
assim como também o oceano o céu
e o corpo bonito do amigo antes da traição
que é apaixonar-se
pois então já não há nada mais que a vontade
de morrer juntos
como se este adversário transitório não fosse
mais que você mesmo
Beberei o dia todo e ao cair a noite
sairei para trocar os poemas escritos por garrafas de cerveja
que também ficarão inéditas porque não me lembrarei delas
vão esfumaçar-se como uma miragem
em um banheiro úmido e sujo
onde um garoto piscará um olho para você
e nunca vai querer saber seu nome
mais tarde veremos pela última vez as estrelas
e será necessário seguir esquecendo
Os poemas desejam o corpo de sua arte
precisam desta vida
que se escapa gole a gole
noite a noite incontáveis
e mais além destes instantes que não voltarão
apresente-se o fim
como uma lembrança para depois do meu tempo
este poema
Héctor Hernández Montecinos, trad. Ricardo Domeneck
Publicado em 23 de Outubro de 2012