Quem te pôs a mão no ombro, a faca que te atravessou o coração, são feridas alheias, talvez algo que leste; entretanto partiste para lugares menos iluminados e corações menos vulneráveis, pode perguntar-se é o que fazes ainda aqui se já cá não estás. A hora havia de chegar em que nos perderíamos um do outro. E acabaríamos necessariamente assim, mortos inventariando mortos. Morrer, porém, não é fácil, ficam sombras nem sequer as nossas, e a nossa voz fala-nos numa língua estrangeira. Apaga a luz e vira-te para o outro lado e acorda amanhã como novo, barba impecavelmente feita, o dia um sonho sólido onde a noite se limpa e se deita. Manuel António Pina