Bipolaridades
A vida nunca lhe foi fácil
É mentira é mentira é mentira
As palavras nunca lhe chegaram
Nem ele hoje acredita nisso
Não teve postais bastantes nem teve casa
Está mais que parvo de esquecido
Nunca foi verdadeiramente onde queria
Este mais um engano para consumo algures
Gozou pouco a saúde que lhe sobrava sentiu-se velho e fez gala
Gostava, muito, que lhe dessem menos que a idade que tinha
Afundou-se na altura impenitente
Enquanto já expiava a sua queda
Sofreu de uma imprópria falta de auto-estima
Dado a vaidades e à teimosia de ser quem era
Desapreciou tantos tempos e tanto
Foi sempre chatamente pontual e dado a datas
Bebeu com alguma fúria, buscando algum vento
Adormecendo para lá de manso a janela fechada
Apregoou princípios e diversas classes de navios
Mentiu com a boca, ao fígado e aos mares
Defendeu com afinco e brio as suas verdades mais internas
Desacreditou de si próprio mais que muitas vezes
Olhou o rio e queria
Mas não que a água deve estar fria
Tragou-se sem fome e até ao enjoo
Insaciável nesse apetite tão seu
Encolheu-se na cama lisa nua e escura
Perdido em transparências largas de desejo
Condensou o mundo mascarou-se de silêncio
Espalhou desabafos até cansar e estar cansado
Morreu várias vezes de desgosto e de si próprio
Talvez gostasse de ser assim
Quem sabe?
Rui A.
Publicado em 20 de Novembro de 2012