A vida nunca lhe foi fácil É mentira é mentira é mentira As palavras nunca lhe chegaram Nem ele hoje acredita nisso Não teve postais bastantes nem teve casa Está mais que parvo de esquecido Nunca foi verdadeiramente onde queria Este mais um engano para consumo algures Gozou pouco a saúde que lhe sobrava sentiu-se velho e fez gala Gostava, muito, que lhe dessem menos que a idade que tinha Afundou-se na altura impenitente Enquanto já expiava a sua queda Sofreu de uma imprópria falta de auto-estima Dado a vaidades e à teimosia de ser quem era Desapreciou tantos tempos e tanto Foi sempre chatamente pontual e dado a datas Bebeu com alguma fúria, buscando algum vento Adormecendo para lá de manso a janela fechada Apregoou princípios e diversas classes de navios Mentiu com a boca, ao fígado e aos mares Defendeu com afinco e brio as suas verdades mais internas Desacreditou de si próprio mais que muitas vezes Olhou o rio e queria Mas não que a água deve estar fria Tragou-se sem fome e até ao enjoo Insaciável nesse apetite tão seu Encolheu-se na cama lisa nua e escura Perdido em transparências largas de desejo Condensou o mundo mascarou-se de silêncio Espalhou desabafos até cansar e estar cansado Morreu várias vezes de desgosto e de si próprio Talvez gostasse de ser assim Quem sabe? Rui A.