Olha pois vou-te contar um pouco da minha história (alguns episódios apenas) Poucos muito poucos a ouviram E isso nunca me importou assim tanto, Para lá do que me importava e muito Mas ainda assim, daqui vai Era um rapaz alto, bem mais que um metro e oitenta (o que à época era um caso sério) Nem por isso dado aos estudos, Melhor dizendo nada dado aos estudos, e quando digo nada digo nada (a cor mulata não ajudava ao disfarce, nas engatatotorias da então escola) Experimentei bastante o Atlético, era promissor atleta Quanto mais não fosse, dada a altura, Mas sei que tinha jeito e sabiam Num jogo em que fui expulso, por superar limites nas faltas, Saí de campo em braços, na maior das calmas. Eu era o novo americano do bairro Fiz os melhores três pontos (ainda não existiam) Da minha vida e dos outros Qualquer coisa de espectacular, digamos. Acumulei faltas de comparência às aulas Com a colecção completa de Miguel Torga Com que impressionava o meu amigo E uns dez LP’s do David Bowie, no mínimo Para impressionar a menina da discoteca Foram tempos verdes e com alguns pedaços bonitos Nem todos, obviamente, é sempre assim Não podem ser todos ou não os reconhecíamos Preocupava-me com o tamanho da pila Sendo eu tão grande Coisas e preocupações infantes Pensava que tinha tempo Claro que fui assassinado à porta do Jamaica Lembro que ia ver os Rolling Stones E claro que o jornal O Crime Anunciou que Era eu um bom rapaz, razoavelmente quarismático Matado por alguns negros Que eram bem mais brancos que eu. Dirás que sou descomunal Mas essa, meu amigo, É a tua percepção das coisas À distância, passados anos, nada me importa mais Que rever-te amigo Onde quer que estejas E que estejas bem Cá te espero, grande abraço Carlos Frederico Valente Torres