Havia um tempo
Havia um tempo
Em que falávamos em privado ou em pequenos grupos
Corávamos nas gerais apresentações públicas
que tendiam a desassossegos de ordem vária e privavam sonos
Falar em público mais que três era muitas vezes um acto de coragem
proibida, e punha em causa
mais que o sistema nervoso
Havia um tempo em que as palavras não escolhidas
Eram as ditas em casa
(só algumas saíam à rua, e era preciso alguma vontade)
E podíamos não ver as Conversas em Família
ou rir de algum calão exemplar do Pai
na reserva da sala mais chegada
- “Macaco”, dizia. “Macaco”
Ir ao cinema parecia uma ida à missa
sem a parte dos joelhos e a parte das hóstias
E os contos de Grimm
pareciam feitos
de gente afável
Os jornais eram diariamente lidos e discutidos
Para muitos entre os mais dados à palavra
pelo que não diziam
Um tempo de outras fracturas
Um tempo de histórias à lareira
e roupa foleira
Que nos vestia
Rui A.
Publicado em 22 de Fevereiro de 2013