Aqui a acção simplifica-se Derrubei a paisagem inexplicável da mentira Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos Ponho-me a gritar Todos falavam demasiado baixo falavam e escreviam Demasiado baixo Fiz retroceder os limites do grito A acção simplifica-se Porque eu arrebato à morte essa visão da vida Que lhes destinava um lugar perante mim Com um grito Tantas coisas desapareceram Que nunca mais voltará a desaparecer Nada do que merece viver Estou perfeitamente seguro agora que o Verão Canta debaixo das portas frias Sob armaduras opostas Ardem no meu coração as estações As estações dos homens os seus astros Trémulos de tão semelhantes serem E o meu grito nu sobe um degrau Da escadaria imensa da alegria E esse fogo nu que pesa Torna a minha força suave e dura Eis aqui a amadurecer um fruto Ardendo de frio orvalhado de suor Eis aqui o lugar generoso Onde só dormem os que sonham O tempo está bom gritemos com mais força Para que os sonhadores durmam melhor Envoltos em palavras Que põem o bom tempo nos meus olhos Estou seguro de que a todo o momento Filha e avó dos meus amores Da minha esperança A felicidade jorra do meu grito Para a mais alta busca Um grito de que o meu seja o eco. Paul Éluard, trad. António Ramos Rosa e Luisa Neto Jorge