Limpa o cesto bem limpo, mas deixa lá ficar sombra ligeira: essa primeira sílaba. Sobre ela, podes encher o cesto com mais sílabas, e até outras palavras. Terás assim um cesto que aos olhos de quem vê é um cesto só teu, onde escondeste as coisas do costume dos cestos: flores, solidões, rastilhos, bombas. Foi limpo o cesto aos olhos de quem vê, mas tu sabes que não. Que houve ali um momento de ladrão, quando nele ficou a sombra dessa sílaba. E agora mostras a toda a gente o cesto, e não há sombra. Há só a mão que surge e pega no teu cesto, o toma devagar. E o olha com olhos de quem lê, e o limpa muito limpo, ao teu antigo cesto, deixando lá no fundo, disfarçada, uma segunda sílaba. Ana Luísa Amaral