Prédios cardeais
Lembro que a Augusta vizinha de cima
abafava com os seus gritos qualquer pôr de Lua
e nunca se percebeu bem porquê
- afinal tinha apenas trinta e cinco frescos anos
um corpo fresco (pouco subtil, mas fresco ainda assim)
o marido em Angola e na casa
algum movimento de molas.
O senhor Augusto do 1º esquerdo mesmo ao lado
não fazia mais da vida que dedicar-se às reuniões de condomínio
e à eterna para ele problemática
dos elevadores e beatas algumas que encontrava no tapete,
bem como a pormenores que nunca ninguém verdadeiramente
quis perceber quais eram.
Não vivia sozinho mas era como se fosse.
No segundo havia um certo descanso,
do esquerdo ao direito a mesma casa,
de um piloto de automóveis vagamente conhecido
que apesar de poucos sucessos
não ali morava. Mas tinha a casa, e sempre era menos um problema
no prédio que não incomodava.
No terceiro esquerdo o terror do prédio de seu nome Alfredo
(ou a puta que o pariu coitada),
traficante de sucesso e musculatura assustadora
- naturalmente que boa parte dos problemas dos elevadores
vinham directos do seu empreendedorismo,
se bem que fosse mais fácil atirar as culpas
aos donos das beatas de baixo que mais não tinham
que fome e trocos.
Ao lado do Alfredo vivia Jesuína, mulher magra
que nem apelido tinha e vivia consumida pelo medo
de incomodar, o que no contexto
até se compreendia.
E assim continuaria, mas era uma casa velha de seis andares
e estou cansado.
Não se ouvia Bach e fui viver
no telhado
do prédio ao lado.
Quanto ao resultado, é ainda cedo ou talvez tarde que mereça
ser contado
Recordo porém nas noites minguante ou de Lua cheia
que havia uma vizinha linda
naquele prédio.
Mas essa é uma história longa e recheada de erotismo
longamente refreado
Sabe-se lá porquê que Bach continua
calado
Rui A.
Publicado em 22 de Outubro de 2013