Ele não apareceu. Talvez tenha adoecido ou ficado debaixo de um eléctrico. Talvez outra pessoa se pusesse na conversa com ele. Talvez se tenha esquecido do relógio, ou o relógio se tenha esquecido de lhe dar o tempo certo. Talvez o carro não pegasse, ou tenha ficado avariado a meio do caminho. Talvez alguém lhe telefonasse quando ia a sair de casa, dizendo-lhe que tinha de ir a um funeral ou que a mãe dele tinha morrido. Talvez tenha encontrado um antigo conhecido. Talvez tenha tido uma discussão no emprego, tenha sido despedido e esteja a esconder a cabeça debaixo de uma almofada. Talvez a ponte estivesse fechada e a seguinte também. Talvez o semáforo permanecesse vermelho. Talvez o multibanco tenha engolido o cartão ou a meio do caminho tenha reparado que se esquecera do porta-moedas. Talvez tenha perdido os óculos, não conseguisse deixar de ler, houvesse um programa que ele queria acabar de ver, não conseguisse dar a volta à fechadura da porta, não encontrasse as chaves em sítio nenhum e o cão dele de repente começasse a vomitar. Talvez não houvesse um telefone por perto, não encontrasse o restaurante ou esteja à espera noutro sítio, por engano. Talvez – a última possibilidade, incompreensível e inesperada – ele tenha deixado de me amar. Hagar Peeters, trad. Maria Leonor Raven-Gomes