Caro Rodrigo, Escrevo-lhe esta carta para lhe poder relatar um triste acontecimento que ocorreu na semana passada, e espero sinceramente que ainda não tenha reservado a sua viagem. Como sabe, encontrei há seis meses uma criatura fascinante. Por quantos anos não me encontrara eu a deambular em inúmeros colchões, na penosa tentativa de resolver este imenso paradoxo permanentemente intitulado de vida. Não me posso queixar, como deve imaginar era sem dúvida um homem viril, as minhas qualidades eram muito apreciadas a “nível nacional”. Inclusive algures na minha intensa investigação chegaram a apelidar o meu luxuoso dote de “o cavalo de Tróia”. Uma comparação que me deixou deveras lisonjeado, principalmente pela sua relevância histórica. Pois bem, há exactamente seis meses chegara ao fim da minha extenuante odisseia. Apercebia-me então que havia ido parar ao colchão certo. Uma “femme fatale”, como lhes chamam os arrogantes franceses. Um autêntico vulcão prestes a entrar numa erupção infinita. Estava eu num pequeno bar no Bairro Alto, vestido de acordo com as normas que havia estabelecido para o projecto acima referido, e foi então que apareceu uma criatura do sexo feminino, vinda dos sombrios corredores que completavam aquele pequeno estabelecimento comercial. À volta dela saía uma aurora, um brilho, era aquela a resposta, estava encontrada, havia encontrado a solução, era um génio! Meti então o meu tão invejável inato a trabalhar e, mais uma vez, não falhei. Como está neste momento a supor (e muito bem, devo dizer), terminei a noite a explorar cada recanto daquele ser incrivelmente talentoso. O que se segue é uma situação extremamente previsível, pedi a mão da criatura pois uma vez encontrada a resposta não a podia deixar fugir, e assim se passaram seis meses de preciosa relevância tanto a nível científico como a nível “emocional”, conceito a que cheguei recentemente, uma descoberta muito interessante. O nível emocional designa-se por Emoção. Emoção é algo provocado por algum facto que afecta o nosso “Espírito”, outro novo conceito descoberto há poucos dias. Mais tarde lhe escreverei outra carta para poder entender estas novas e revolucionárias ideias, pois decerto que por alto é algo que ainda não se encontra acessível a mentes comuns. Mas voltando ao tópico principal, infelizmente hoje, a seis dias de um acontecimento com alguma importância que designei de “casamento” encontrei uma pequena carta que dizia o seguinte: “Desculpa mas não aguentava mais, és um verdadeiro filho da puta! És um ignorante, só pensas em foder, eu preciso de amar mas tu não compreendes isso, eu não sou uma simples puta. Adeus!” Além de talento esta criatura era também extremamente culta, nunca antes lhe havia ouvido os conceitos de “puta” e “foder”. Irei com certeza investigar detalhadamente para poder chegar a uma conclusão minimamente plausível. No entanto fiquei muito contente por me aperceber que o meu conceito “amar” já se encontrava enraizado no seu vocabulário. A parte negativa é que a investigação sofreu um pequeno percalço, pois a criatura abandonou a casa e quebrou um conjunto de loiça, cujo valor monetário era algo elevado. Mas, como sabe, nós cientistas não desistimos e é nossa obrigação seguir em frente. Irei dar continuidade ao projecto, espero que tenha a sua compreensão. Com os melhores cumprimentos, Frederico 20-08-1996 Caro Frederico, É a vida. Com os melhores cumprimentos, Rodrigo 27-08-1996 Afonso Raimundo