sou o fantasma holofote instalado em nicho escuro aqui tem coisa sus- surra a jóia surripiada ofuscada por mim ao voltar da festa sou um espantalho sou olhado no ovo recheado da minha dor e a ave que deixa o filhote espatifar-se no chão (é a sua espécie) nasce com olhos meigos sou o grande caos após o incêndio sou o mobiliário gotejante que ainda fumega e sou o torcer de mãos o beber aguardente na noite húmida sou a constipação após o grande incêndio sou o tirano pálido na manhã alva o seu relógio vai atrasado mas o coração antecipa a sentença de morte e uivo ao cheiro de carne humana embora não goze tal delícia há anos sou a rapariga que na minha memória encontro na colina florida converso com ela tão meigamente como a brisa estival fala ao convalescente ela é muito pálida e tem rosto de memória sou a voz que não dá voz ao que já tem voz mas que sobre o silêncio angustioso coloca a imagem miracular de uma palavra e só depois alheio a todo o medo se sabe o que eu quis dizer com tudo isso o poema é amuleto Lucebert, trad. August Willemsen e Egito Gonçalves