Por vezes, no decorrer dos últimos meses, ele pensava numa palavra e tentava lembrar-se da árvore ou da espécie de sapo que ela nomeava: a verdadeira árvore, sapo ou emoção e não o sinónimo numa outra língua, a língua que lhe levara os filhos e a luz da montanha, os túmulos que ele varria e cuidava, as canções dos casamentos. Enquanto anos de silêncio se conjugavam à soalheira ele ficava no quintal e sussurrava o nome de um pássaro na sua língua materna, enquanto memórias de neve e dias de feira, das mãos do seu pai, do odor a tamarindo se retiravam em palavras puídas: o azul da infância dobrado como um lençol e arrecadado. Nada do que ele dizia era recordado; nada do que fazia facto ou lenda, na praça da aldeia. Contudo reteriam mais tarde a palavra que disse nessa manhã, pouco antes de morrer: um nome para a morte, talvez, ou para a erva dos prados, ou, surgida à beira do pensamento, uma outra palavra que havia quando ele era pequeno, uma palavra raramente utilizada, embora existisse para tudo o que ninguém conseguia recordar. Ingmar Heytze, trad. Maria Leonor Raven-Gomes