Cidade zero
Uma revolução.
Depois, uma guerra.
Naqueles dois anos - que eram
a quinta parte de toda a minha vida ?
eu havia experimentado sensações distintas.
Imaginei mais tarde
o que é a luta na qualidade de homem.
Mas para mim, criança, a guerra era apenas:
suspensão das aulas na escola,
Isabelita em cuecas na cave,
cemitérios de automóveis, andares
abandonados, fome indescritível,
sangue descoberto
na terra ou nas pedras da calçada,
um terror que durava
o mesmo que o frágil rumor dos vidros
depois da explosão,
e a quase incompreensível
dor dos adultos,
suas lágrimas, seu medo,
sua ira sufocada,
que, por alguma ponta,
entrava na minha alma
para desvanecer-se logo, rapidamente,
perante um dos muitos
prodígios quotidianos: descobrir
uma bala ainda quente,
o incêndio
de um edifício próximo,
os restos de um saque
-papéis e retratos
no meio da rua...
Tudo passou,
é tudo confuso agora, tudo
menos aquilo que apenas entendia
naquele tempo
e que, anos mais tarde,
ressurgiu dentro de mim, então para sempre:
este medo difuso,
esta ira repentina,
estas imprevisíveis
e verdadeiras vontades de chorar.
Ángel González
Publicado em 23 de Junho de 2014