Preâmbulo a um silêncio
Porque tem consciência da inutilidade de tantas
coisas
às vezes uma pessoa senta-se tranquilamente à sombra de
uma árvore – no verão –
e cala-se.
(Disse tranquilamente?: falso, falso:
uma pessoa senta-se inquieta fazendo estranhos gestos,
calcando as folhas abatidas
pela fúria de um Outono sombrio,
destruindo com os dedos o cartão inocente de uma caixa
de fósforos,
mordendo injustamente as unhas desses dedos,
cuspindo nos charcos invernais,
golpeando com o punho fechado a pele rugosa das
casas que permanecem indiferentes à passagem da
primavera,
uma primavera urbana que faz assomar com timidez as ma-
deixas dos seus cabelos verdes lá no alto,
por trás do zinco escuro dos algerozes,
levemente arreigada à matéria efémera das telhas
prestes a tornar-se pó).
Isso é certo, tão certo
como eu ter um nome de asas celestiais,
arcangélico nome que a nada corresponde:
Ángel,
dizem-me,
e eu levanto-me disciplinado e direito
com as asas mordidas
Ángel González
Publicado em 18 de Junho de 2014