Recebi hoje uma carta do José Bento que dizia sentir-se um rato diante de Santa Teresa eu gosto tanto dele, posso dizer o mesmo mas temo seja o que for de incalculável Diante de um rato experimento não exactamente repulsa para a qual sou demasiado fraco mas uma tristeza submersa dissimulada na própria forma lembro-me no meu quarto há muitos anos a ratoeira armada debaixo da cama e o deslizante rumor quase inaudível cortado por um dique mecânico um cheiro a folhas mortas apoderava-se da superfície como se alguma coisa mais longínqua ficasse presa daquele artifício Tenho também uma história cómica com ratos que me custou hora e meia da maior vergonha reuni em minha casa alguns técnicos de saúde e voluntários dessas causas para projectar uma ajuda às prostitutas e um rato circundou, um por um, os sapatos dos presentes e tentava subir os degraus da escada numa necessidade que se diria invencível as pessoas eram educadas e fizeram todas de conta mas eu estava para ali afundado num desespero Quando por vezes vejo tombar pelos altos degraus a minha vida procuro pensar nos dois ou três interesses que me restam entre eles Santa Teresa e o drama das prostitutas José Tolentino Mendonça