Impossível saber como limpar esses rios. O desejo perde-se entre os automóveis; o último fio de coragem colapsa no chão com os sacos de compras, não é culpa de ninguém. Longe vão os dias em que as pombas repousavam nos ombros, e a simples carne tornou-se agora uma estátua. Poeira e folhas caídas, águas tenebrosas, janelas escurecidas por toda parte. Eu detecto o cheiro que deixaste para trás. Precisamos de trompetas aqui, por favor, trompetas. Fico a olhar o céu à espera de nuvens e a mais escura não pressagia chuva. Do outro lado da janela de vidro uma mulher chora enquanto fala ao telefone, os sacos de compras abandonados a seus pés; parece que a vida está prestes a acabar mas continua implacável, coisa infeliz. A chuva corrói montanhas; do mesmo modo, uma simples lágrima corrói o corpo, corrói-o. Haverá coisa mais dolorosa que promessas ao telefone? Rikardo Arregi