Deixamos passar o outono, o inverno, a primavera, o verão, e fazemos de conta que lhes sobrevivemos como se tudo não passasse de inofensiva e reversível sucessão. Passeamos de mãos dadas, temos filhos e casamos, pedimos a reforma, partilhamos o gelado na praia junto à rebentação, apertamos o casaco na gola quando as folhas se deitam, pisamos papoilas em caminhos de aldeias abandonadas, olhamos a água no tanque quando levamos o cão à rua de madrugada, e dizemos: é isto a vida, é isto o real (e assim nos enganamos) como meninos livres para brincar junto do poço enquanto a mãe não está a olhar ou fala ao telefone, ou prepara o almoço. Rui Lage