Longe da Aldeia
O dia está para versos e cerveja amarga.
No sombrio Jug'n'Jester, com bancos
de engordurada madeira e fotografias
das grandes cheias de Leam. Em frente
o largo da igreja paroquial que a chuva
despovoou e à volta os ingleses da vila
num momento fortuito de um enredo maior.
São da minha idade os da mesa de canto,
trocam livros e seguem uma moda própria,
reminiscente de uma juventude literata e boémia
desbaratada nos anos 80. Pergunto-me
que nomes lhes deram e se terão, como eu,
medo de morrer sozinhos. Terão tentado a sorte
nas avenidas de Londres e regressado a casa
para arranjar um emprego na discoteca do mall?
Sim, eles conhecem bem a província da insónia
e do rancor, o pequeno desgosto de saber
onde desembocam as ruas. Mas isto vem afinal
nos braços frios da tarde, dentro da minha cabeça
onde já recomeçou a desfiguração do mundo:
por não me teres acolhido nos meus erros
e nas minhas feridas, nem teres percebido ainda
o quanto esta vida nos pesa e nos trai.
Rui Pires Cabral
Publicado em 19 de Dezembro de 2014