Truncadas, indefinidas, passam na memória como filmes mudos pequenas histórias de amor carnal. Os grandes caudais da noite sempre desaguam na tarde salobra e rasa: Janeiro amolece a tinta das paredes, levamos à rua uma cara mais fechada, e depois, na secção dos congelados, não sabemos distinguir o que sentimos além do frio que represa as coisas todas: caminhamos sós num privado bosque, convocamos sombras que foram perdendo o nome, sinais que não transportam já um sentido automático de desejo ou sofrimento. E contudo, à revelia das certezas que não quiséramos ter, acabamos sempre por tornar às mesmas ruas, à noite insone e imensa, onde nos dói descobrir, na companhia dos outros, o quanto nos reclama a solidão. Rui Pires Cabral