Ascese
O gato fala.
Mas o que é que diz o gato?
Deves pegar num lápis afiado
e fazer o sombreado das noivas e da neve,
deves gostar da cor cinzenta,
viver debaixo de um céu com nuvens.
O gato fala.
Mas o que é que diz o gato?
Deves vestir-te com o jornal da tarde,
de serapilheira como as batatas
e virar este fato uma vez atrás da outra
e não pôr nunca um fato novo.
O gato fala.
Mas o que é que diz o gato?
Devias riscar a Marinha,
as cerejas, a papoila e o sangue do nariz,
aquela bandeira também a tens de riscar
e deitar cinza nos gerânios.
Tu deves, continua o gato a dizer,
viver só de rins, baço e fígado,
do pulmão sem ar, ácido,
da urina dos rins, não diluída,
de baço estragado e fígado rijo,
da panela cinzenta: é assim que deves viver.
E na parede, onde antes
o quadro verde ruminava o verde sem parar,
deves escrever, com o teu lápis afiado,
ascese, escreve: ascese.
É assim que diz o gato: escreve ascese.
Günter Grass
Publicado em 25 de Janeiro de 2015