A última corrida
Era um rapaz que partiu
para conhecer o medo
o seu coração arranhado pelas chamas
tropeções de um cego que foge da aldeia
nessa noite
quem conseguiria contar
de comboio em pensamento seguiu para Bréscia
a última corrida de aeroplanos do século
andava à roda de trinta mil libras
e ele queria muito voar sozinho
sobre florestas
ninguém soube mas a sua vida
vista daquele aeroplano maravilhara-o
chegariam os nevões é verdade
novas e novas sombras sobre a terra
mas a sua vida vista do aeroplano era tão grande
como nenhuma outra coisa que conheceu
cá em baixo diziam:
«o seu voo prolonga-se sobre cada floresta
e desaparece
nós vemos as florestas
mas não o vemos a ele»
José Tolentino de Mendonça
Publicado em 16 de Maio de 2015