Não depende de haver o corpo. Vive-se perfeitamente sem dois ou três dedos: segurar um cigarro, um selo, a perna da galinha, exige um mínimo de dons. E, contudo, sem o balancear dos teus pulsos que desempenam a janela de guilhotina ou sopesam na faca a beringela podiam os anos saldar-se que enferrujavam no arame. Vejo a força da estação abater-se sobre as escadas em caracol das traseiras da embaixada, onde há uma semana se disponibiliza um catálogo de rios. Medito toda a manhã nesse transbordo triste e embora o vento que deposita um mapa na mão direita arroste um profundo debilitamento ao coração recomeço a confiar – estas coisas não devem assustar: a luz, sabe-se, morde como um rato, mas quando a pedra despeja as fontes e o sangue faz subir o preço da rapina está o coração de há muito enxertado de partidas. António Cabrita