Proximidade Aristotélica
Não depende de haver o corpo.
Vive-se perfeitamente sem dois
ou três dedos: segurar um cigarro,
um selo, a perna da galinha,
exige um mínimo de dons.
E, contudo, sem o balancear
dos teus pulsos que desempenam
a janela de guilhotina ou sopesam
na faca a beringela
podiam os anos saldar-se
que enferrujavam no arame.
Vejo a força da estação abater-se
sobre as escadas em caracol
das traseiras da embaixada, onde
há uma semana se disponibiliza
um catálogo de rios. Medito
toda a manhã nesse transbordo triste
e embora o vento que deposita
um mapa na mão direita arroste
um profundo debilitamento
ao coração recomeço a confiar –
estas coisas não devem assustar:
a luz, sabe-se, morde como um rato,
mas quando a pedra despeja as fontes
e o sangue faz subir o preço
da rapina está o coração
de há muito enxertado de partidas.
António Cabrita
Publicado em 27 de Julho de 2015