Para não dizer o que queria dizer
Ontem passei, ali à Liberdade,
por uma magnífica feira de magníficos donos
de carros vintage
(chamar àquilo carros parece pecado, quanto aos donos não privo
e não sei por mal dos meus pecados e de um destino que ao menos fosse
proletário; pois bem, não é)
que me atrapalharam sobremaneira, retomando,
o transporte
para uma ida ao Teatro.
Estava o freguês urbano um pouco arreliado,
tudo isto enquanto os turistas e utilizadores de uma qualquer
outra viagem
exclamavam, entre o espanto e a inveja,
a sofisticação deste admirável povo
cheio de Angolas ao pescoço
(teria a sua dose de engraçada ironia não fosse outro o mar
- não fosse outra a vingança).
Teatro esquecido nesta peça
(que aliás não havia, era domingo e houvera
esquecido – sendo isso um pormenor que meramente desculpo)
pensei (já hoje) em como reagiria a para mim celebrada
Dona Eulália
(e seus filhos Nascimento, Maria das Dores e João Manuel)
a tamanha efeméride.
Sei que o marido
(filatelista de renome e numismático por frustração, pouco dado a intrigas e reflexões republicanas ou outras que as houvesse, tudo isto é claro derivado à falta de espaço e a uma inteligência prática conforme à vida de bairro e ao sossego da abstenção cívica)
falecera com direito a missa
de sétimo dia e tudo.
O que libertava Dona Eulália para o erotismo que a vida tem
(potencialmente, é claro e testado em modo avulso)
no bairro e para lá do bairro,
e para poucas ou demasiadas opiniões escaladas ao sal
(ou seja, consoante, conformes ou não e acaso as quisesse).
E assim entrava pontualmente
(já no dia seguinte à véspera dos carrinhos e seus donos, naquele episódio importante da Avenida tão cercada de outras liberdades - sendo que nestas coisas é raro encontrar uma mulher bonita com a chave na mão, normalmente nestas circunstâncias é mais comum a mulher do Salvador, ou uma mulher que não teve irmãos. E isto dava pano para mangas e mangas para o pano, nomeadamente por ser pouco justo e pouco digno; mas falar disso com propriedade exige estudo, uma outra dose de respeito.)
nas reflexões em torno da Dona Eulália que deve estar farta de ser chamada
à colação, empenhada que está (até ao pescoço)
em arranjar órbita (e dioptrias)
aos parenteses da vida.
E nada me ocorreu digno de menção
(para lá de um desagrado moderadamente intenso)
para comentar um episódio que me distraiu
(momentaneamente e agora, mais de vinte e quatro horas depois)
da perplexidade de um entendimento à esquerda
no meu País.
Negoceia-se, e porque não se tudo se negoceia (afirmação).
No fundo dos fundos, não sei bem se quero ver o telejornal
(se calhar vêm-me falar do Jaguar verde).
E não me dou ao trabalho de contar
(esta vida em)
parenteses.
Quem aspira ao infinito corre o risco (razoável)
de ter decepções.
Espero que Dona Eulália esteja bem
(e sei lá se o merece),
tal como todos os seus filhos, à ordem:
Nascimento,
Maria das Dores,
João Manuel.
Rui A.
Publicado em 13 de Outubro de 2015