Uma Carta em Outubro
A madrugada vai chegando cada vez mais tarde,
e eu que ainda há um mês
podia sentar-me com um café todas as manhãs
a observar a claridade a descer o monte
até à beira do lago para lá colocar
uma corça, que bebia timidamente,
e ver então a claridade a alastrar para
a água, semeando reflexos
de ambos os lados — um jardim
de árvores que crescia como que por magia —,
não vejo agora senão o meu rosto,
espelhado pela escuridão, lívido e estranho,
sobressaltado pelo tempo. Enquanto dormia,
a noite envergando o seu grosso casaco de inverno
refreou a corça com um cordel
de folhas húmidas e levou-a para longe,
trazendo então o seu cavalo preto com arreios
que chiavam como um grilo e afundando
o jardim aquático. Acordei,
e na janela expectante dei com
os cortinados descerrados ao meu rosto descerrado;
para lá de mim, a escuridão. E eu,
que apenas desejava continuar a olhar lá para fora,
tenho agora de continuar a olhar para dentro.
Ted Kooser, trad. Vasco Gato
Publicado em 11 de Outubro de 2015