Às vezes, o poema revela-se Nega o seu destino humano E morre antecipadamente Nas contracções dos vocáculos. O poeta Com o seu destino incerto de sílabas em sangue Procura vencer a sua resistência. Não concede que as palavras Ignorem o que sente. Produz-se o divórcio Entre o homem e o poema. Uma muralha se levanta Entre o desejo de dizer E o acto da concreção. Por isso, estes versos que hoje Nascem sem pele e sem olhar Têm a tristeza Dos dias em crise. Desabitado, afundo-me no meu naufrágio Desde a vergonha e a decepção, Sem mais companhia Que o lento sacrifício Dos meus voos abortados. Sozinho, nesta infecundidade de lágrimas, Que me dilui pouco a pouco E me desceluliza, Vejo morrer o tempo do meu tempo, Nestes versos sem pele nem olhar, Enquanto a vida segue O seu simulacro de triunfo. Victor Hugo Tissera, trad. Tiago Nené