Infecundidade
Às vezes, o poema revela-se
Nega o seu destino humano
E morre antecipadamente
Nas contracções dos vocáculos.
O poeta
Com o seu destino incerto de sílabas em sangue
Procura vencer a sua resistência.
Não concede que as palavras
Ignorem o que sente.
Produz-se o divórcio
Entre o homem e o poema.
Uma muralha se levanta
Entre o desejo de dizer
E o acto da concreção.
Por isso, estes versos que hoje
Nascem sem pele e sem olhar
Têm a tristeza
Dos dias em crise.
Desabitado, afundo-me no meu naufrágio
Desde a vergonha e a decepção,
Sem mais companhia
Que o lento sacrifício
Dos meus voos abortados.
Sozinho, nesta infecundidade de lágrimas,
Que me dilui pouco a pouco
E me desceluliza,
Vejo morrer o tempo do meu tempo,
Nestes versos sem pele nem olhar,
Enquanto a vida segue
O seu simulacro de triunfo.
Victor Hugo Tissera, trad. Tiago Nené
Publicado em 2 de Novembro de 2015