Um poema cresce inseguramente na confusão da carne. Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, talvez como sangue ou sombra de sangue pelos canais do ser. Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência ou os bagos de uva de onde nascem as raízes minúsculas do sol. Fora, os corpos genuínos e inalteráveis do nosso amor, rios, a grande paz exterior das coisas, folhas dormindo o silencio a hora teatral da posse. E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. E já nenhum poder destrói o poema. insustentável, único, invade as casas deitadas nas noites e as luzes e as trevas em volta da mesa e a força sustida das casas e a redonda e livre harmonia do mundo. Em baixo o instrumento perplexo ignora a espinha do mistério – E o poema faz-se contra a carne e o tempo. Herberto Helder