Uma ternura branca
Há toda uma doçura, que não sei dizer inteira,
nesse respirar tão manso, de cor sangue,
nessa paz que vem no vermelho da batalha
Há toda uma magia que vai para lá de passos milagreiros
ou de qualquer lição estudada na psicoterapia a dias
(lições para ser feliz, para quem quer e para quem pode).
As toalhas ficaram tão delicadas no fim do repasto
que jamais deviam ser lavadas:
um crime, limpar suor e escadas,
contrariar memórias e uma noite tão limpa
(se bem que os indícios não sejam tudo).
Há um verbo que não deve ser esquecido,
para lá das palavras:
um tempo algures
Há toda uma doçura que não sei dizer, inteira,
neste guardar de um banho para quando não lembre ou não precise.
E não se explica facilmente, me parece,
que havendo tantas contas por pagar,
continuemos a sair à rua a trabalhar, publicamente, tantos dias em sete.
Há toda uma doçura que não sei dizer, inteira,
em não ter palavras à altura
desta suspeita.
Uma doçura que inquieta, uma doçura que aguenta.
Pode-se dizer
(tudo se pode dizer, mesmo não sabendo o preço)
que as circunstâncias não ajudaram,
que vivemos depois de inventarem a roda,
num tempo de insectos,
e que depois disso as coisas ficaram mais difíceis.
Mas repara como brinca a Bianca lá fora,
com a sua cadelinha malhada:
é algo de verdadeiramente extraordinário
e devia-nos pôr bem com o mundo
Como diria Cícero, um grande atleta,
“É de admirar que um adivinho não ria ao ver outro adivinho.”
Rui A.
Publicado em 7 de Fevereiro de 2016