A ternura, assim de repente, Em forma de ser dita, é algo que escapa ao instante e ao presente. Talvez seja um mistério inacreditável (entre aqueles que não levantam dúvidas), a convocar mais que tempo ou morada. Lembro de ouvir na grafonola do meu avô alguma ópera (Bizet), marcha austríaca e músicas de touradas, heróicas, entre livros e lombadas em escada (era muito pequeno, ainda, e pareciam medir-se em escadas, as escadas que havia naquelas lombadas). Tudo era novo, e aguardava em sossego o melhor bife do mundo - um doce a sério, da minha avó de olhos claros. O mundo ficava uma coisa quieta, e era ternura, para lá de qualquer que seja dita. Havia um tempo, a cobrir tempo, com aquele arroz. Assim de repente, E em forma de ser dita, a ternura tinha muitos lençóis (antes que houvessem lençóis biográficos), muita aventura, nomes para lá dos que lembro (alguns seriam na altura sempre eternos) e alguma inocência. Assim de repente (e em forma de ser dita), falar da ternura torna-se mais complicado quando vêm ao baile os tempos em que as coisas felizmente se tornaram mais eróticas (não falando sequer em fases atléticas). Independentementede qualquer reflexão sobre os benefícios e sortilégios da infância, independentemente da saudade imensa de pouco interessantes bandas tirolesas, independentemente do que desaprendi de falar (verboso para lá de muito) Independentemente de ser grande ou ser pequeno há um mundo aberto nos teus olhos (mesmo que não notes) Digamos que esta é uma forma de falar da ternura (com ternura), em forma de ser dita. Rui A.