De que tamanho?
Achei muito estranho que acedessem à minha petição - à petição que irei relatar de seguida -, sem qualquer inquérito por escrito. Não tenho números suficientes para descrever como me senti feliz com a decisão. Nesse dia, à noite, ao jantar, levantei-me e declarei:
Gostava de ter um poeta. Podemos comprar um?
A mãe não disse nada, limitou-se a levantar a louça, quatro pratos de sopa, quatro colheres de sopa e informar os comensais, eu e o pai e o meu irmão, de que a carne seria servida de seguida, dentro de trinta segundos. O pai acabou de mastigar um bocado de pão, cerca de treze gramas, moveu os maxilares cinco vezes e inquiriu:
Porque não um artista?
A mãe disse:
Nem pensar, fazem muita porcaria, a senhora 5638,2 tem um e despende três a quatro horas por dia a limpar a sujidade que ele faz com as tintas naqueles objectos brancos.
Telas.
Isso.
Muito bem, disse o pai, compramos um poeta. De que tamanho?
Afonso Cruz, in Vamos comprar um Poeta
Publicado em 22 de Abril de 2016