Tentas usar o telefone
que já não atende
o teu discar
é agora apenas
o belo objecto que é
como tudo assim
há-de ser
dando-se tempo ao espaço
para fixar
o seu rosto
antes da grande
debandada
mas não foi
em vão
o teu gesto
sorris ao devolvê-lo
a si mesmo
como quem tocou
sem querer
o realíssimo
braço alheio
e se julgou
chegado
à intimidade
quem diz
que o plástico negro
do telefone
não se julgou também
encontrado
na mão insensata
ele que matutava
nas vozes
que o circularam
tão longínquas já
tão definidas ainda
na sua súplica
de que não mais
findasse
aquele crepitar
do silêncio partilhado
Vasco Gato
Silêncio partilhado
Publicado em 24 de Agosto de 2016