Suponho que deva escrever algo, suponho que seja tempo de exercitar alguma dessa espécie de ética.
Creio, sinceramente, que é tempo de me lançar a crónicas.
Ai o que eu gostava de ter escrito estórias para três ou quatro infantes e infantas, a embrulhar em papel pardo ou em cores mais macias, a beijar caracóis em baixo da almofada, em cada vez que caísse um dente.
Ai o que eu gostava de escrever a primeira ida ao futebol,
as primeiras letras.
(Fado Negro)
Não vou dizer que me entretive excessivamente no vinho,
que me deixei dormir para sempre no sofá, entre actuações
para um público excelente, incluídos alguns mais ébrios
e gente carregada, de desejo e espaço
(Tom Waits)
Não culpo açordas, não culpo o pão.
Não culpo o excesso de paisagem,
não culpo a falta de vista até onde a vista alcança,
não culpo as danças embaladas a sol e pouco vento
- que embaladas eram, às vezes
sem culpa ou recato
(Alentejo, Alentejo)
Sei que havia dias marianos profundamente ateus,
dias de cada minuto ser bom para festejar o ventre.
Lembro de nem sempre estancar no cais
(Quedas d'Água)
Sejamos francos, o que não faltou foi tema
(sobrou sempre alguma vergonha e descaramento,
é mais que certo),
não foi por falta de assunto, sequer de vontade
de soltar vazios aos astros (lugar comum).
Sinceramente, não sei,
nem quero que me digam.
(General Complex)
Não foi por falta de canto a que me agarrasse
tantas e tantas vezes desatinei em coro ou a solo
(mais competente nas primeiras avarias da espécie).
Nesse contexto, nunca fiz mal a ninguém
(Poslúdio de General Complex)
Não foi por falta de corda, não foi por falta de uso.
Foram tantas, e tão poucas,
as vezes e as vozes que repousei
nos braços de uma amada
(atento e sensual, sugiro)
(La Corazon: lento)
Sempre gostei de ver como corrias uns passos
para ficares na espera inquieta do postal da praxe,
claro e com alguma falta de costumes
(aqueles que mais convêm a dois amantes).
Era uma velocidade incrível, essa,
que comia na espera
um espaço imenso
(La Corazon: rápido)
Várias vezes vi padres celebrar missas,
e várias vezes não soube quem era o mais dormente
ou o mais acordado.
E ainda hoje estou por saber
(Funerais)
Nesses pontais, nesses telhados, nessas árvores,
quis sem dúvida deixar algum perfume.
Pretendi (nem sempre com insucesso)
ter asas e navios nos braços.
(Dança Dos Pássaros)
Enfim: Não quis rastejar, nunca, e ainda hoje acredito nalguma espécie de redenção, para lá da possível. E acredito, em todo meu acento e com persistente falta de fé (falo, creiam-me, nesse conceito que tantas vezes torpedeia passos) que é possível mais que um dia mínimo.
E a isso bebo, meus amigos:
À vossa,
À nossa,
e ao tempo de ser tempo de ser tempo.
Rui A.
(ao som de António Pinho Vargas, Solo, com excertos de Imperfeições)