A corrupta luz da infância
ilumina o rosto de um
desconhecido, o meu rosto,
e olha-o com olhos cegos.

Eu sou apenas
esta voz de alguém,
esta música que não vem de
nenhum sítio, ouvindo-se a si mesma.

As palavras não chegam
para levar-me onde, fora
da infância, está alguma coisa:
isto que quer falar

e vê e é visto.
Não estou aqui, sonho
(eu, também um sonho)
fora de mim comigo.

Como me ouvirei?
Como me reconhecerei?
Poderei suportar o meu olhar
quando me vir, confundir-me nele?

Manuel António Pina