Yo me salvé escribiendo
despuès de la muerte de Jaime Gil de Biedma.
                                        Jaime Gil de Biedma

Em teu sangue soubeste que apenas te importava
escreveres-te, seres poema.
Depois, nem o extermínio:
a indiferença de uma boca ameaçada
pelo veneno que havia de tolher-te,
reduzir-te aos restos de um vazio.
Longe, o menino que em Nava tinhas sido;
e onde quer que estivesses, aí sempre o menino:
anos mágicos, aroma a pinho em chamas,
a mãe sempre a velar, quartos sobre o jardim,
amieiros adolescentes, o castelo,
- cavaleiro a esperar-te há séculos, rendido.
Reflectidas a pele resplandecente
de ilhas onde o sol era uma força
a elevar o céu, lugares e corpos
que seduzias ao entregares-te seduzido
por seu duro poder, pela ebriedade
desembainhada em desafio:
tudo apurado
pela paixão que te queimava até ao fundo
de um copo cujo fundo partiste,
pelos poemas, teu feroz motivo.
Ante um espelho, afrontaste Jaime Gil
(boémio e calaceiro, um tal palerma
que usava a tua roupa, comia do teu prato),
com arrojo e desaforo sem piedade,
com desespero e avidez que ninguém soube
até onde eram contigo ou contra ti.
Ao quereres regressar a esse teu reino,
já não casa, mas palavras rasas
por ti escritas, erigidas em túmulo,
foi para continuares mais do que a vida.

José Bento