Lembro o tempo das cerejas de Abril:
de quando vencia piratas mais altos que eu
e dava centenas de toques na bola,
em habilidade extrema.

Lembro de como salvava mundos e fundos,
em estados gripais ou a convalescer
de alguma hemorragia dos dentes
(eram muitos, os mundos,
E os fundos altíssimos).

Eu não era propriamente o super-homem
(sabia já que estava no caminho, mais que qualquer um),
e desgostava-me um pouco
que tantos percebessem
a satisfação num arroz doce
(fraqueza antiga, quase rendição).

Achava que o mês seria magnífico, para mim,
e Maio ainda melhor;
um dia faria caravelas
das pontas de um cigarro qualquer.

Não pensava nas desgraças do interior
e as desigualdades em nada me afectavam
(voava, no mínimo, à altura de Eusébio,
os outros que se cuidassem).

O trabalho precário ainda não tinha sido inventado,
a fome era muito natural
e a violência doméstica bastante considerada.
O mundo de aqui era invejavelmente pacífico.

Assobiava melhor que qualquer pássaro.

Ai, Amélia,
Cansam-me os teus olhos tristes
(soubesses o que eu sei).

Vem deitar.

Rui A.