convidei uma chuva silenciosa
a fazer aparição num poema.
[tive que pedir licença ao assobiador. ele acedeu].
era uma chuva quase triste,
vivia consumida de se esvair.
"chego sem fazer barulho pra ninguém
se lembrar de me evitar".
era uma chuva quase bonita.
tinha muita tendência poética
-isto me parecia óbvio.
tinha também alguma incapacidade para entender
o desejo humano
de pisar um chão seco.
depois de o assobiador eixar aquela aldeia
calculei que ninguém mais fosse acariciar
aquela chuva.
era uma chuva carente
-isso me pareceu óbvio também.
lhe atribui este lar provisório
e logo se verá
o daqui pra frente.
isso me espanta nas coisas
que não pertencem ao foro das pessoas:
a chuva aceitou ficar.
vive actualmente
na leitura [mesmo que desatenta]
de um poema.
o barulhar dessa chuva
é uma espécie de pequena mentira.
dizem que as crianças lhe conseguem escutar.
dizem que os gambozinos lhe pressentem
e nela, por vezes,
se deixam vislumbrar.
dizem.

 Ondjaki