O dia está claro e seguro, agora. Choveu.
Há uma vaga lembrança da chuva no ar.
As folhas grandes conservam dela as pequenas ruínas
-- Inúmeros olhos claros, gotas limpas e frágeis --
Mas já o céu está singelamente azul
(É verdade que também há grandes nuvens brancas
Que ondulam o orgulhoso algodão e sorriem),
E o ar e a sua lembrança reclinam-se e adormecem.
Nesta tarde e sua chuva, pensei nos teus olhos.
Esta chuva pensei na tua pele, e esta tarde,
Com seu céu e suas nuvens, pensei nos teus olhos.
Uma destas tardes, disse para comigo, choverá frescamente,
Choverá nas nossas flores, choverá nas nossas folhas,
A nossa casa será regida pela chuva.
(Cujos fios longos, de cristal muito fino
Talvez se enredem nos nossos passos.)
Numa tarde tão clara como esta,
Choverá em nossa casa.
É por isso que hoje, inexplicavelmente,
Enquanto na sua rede sem peixes descia a chuva,
Enquanto as grandes flores aproximavam os lábios
Para esse longo beijo, pensei nos teus olhos
Tão tristes como meus, e nas tuas mãos, e em ti,
E numa outra tarde, quase como esta.
Roberto Fernández Retamar
E numa outra tarde
Publicado em 19 de Agosto de 2021