Roubo a voz que me fala do espelho,
faço minha a sua entoação, cavalgo
o seu ritmo de veleiro a caminho
do estuário, recolho as suas pausas
no côncavo das mãos, e levo-as
ao ouvido para saber o que me diz
o seu silêncio, de que timbre é feita
a respiração que nasce da imagem
que o espelho projecta na minha
cabeça, e vejo as velas do moinho
rolarem nos meus olhos para que
neles se faça uma farinha de sons,
e eu as possa amassar como sílabas,
fazendo o pão luminoso do poema.

Nuno Júdice